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O legado da liderança
Floriano Serra

No contexto familiar, uma boa pergunta a se fazer é: que legado deixo para meus filhos e netos? Claro que, no sentido com que está sendo colocada aqui, essa pergunta não se refere à herança de bens e posses, mas às heranças morais, como caráter, ética, honra e honestidade. Algo que, no futuro, venha representar para seus descendentes um referencial positivo de atitude, um modelo comportamental a ser admirado e seguido.

 

Pois acho válido fazer o mesmo auto-questionamento no contexto organizacional: enquanto Líder, que legado deixo para  meus liderados?

 

Lembrando um pouco do que escreveram Marta Brooks, Julie Stark, e Sarah Caverhill a respeito, o legado da liderança é constituído pelo conjunto de todas as suas ações e atitudes que, de alguma maneira, fizeram diferença na vida das pessoas a quem você liderou. Para aquelas pessoas, essa diferença fará de você uma pessoa inesquecível, muito mais do que lugares, produtos e coisas.

 

O legado é deixado sempre por uma pessoa, não por um cargo. Assim, o verdadeiro legado fará você ser lembrado não pelos títulos e posições que acumulou e exerceu, mas pela pessoa que você foi. Esse legado é construído ao longo do tempo, mas nas ações e relações de cada dia, temperadas pela  ética, generosidade e justiça no exercício da liderança.

 

Talvez James Hunter (“O Monge e o Executivo”) tenha se baseado naquelas autoras quando diz que “a liderança é uma questão de caráter”. O estudo anterior do legado já afirmava que “a razão mais comum para se respeitar um líder é o seu caráter” e este seguramente é o mais forte exemplo que ele deixará para a equipe.

 

Apesar disso, a julgar pelo que lemos em revistas e jornais especializados, ainda há organizações que enaltecem os lideres que conseguem resultados a qualquer preço. Há alguma lógica nisso, porque as empresas precisam de resultados para sobreviver. Mas, sou de opinião de que, mais que dos resultados, elas necessitam das pessoas – que são justamente os instrumentos através dos quais os referidos resultados são atingidos. Logo, a gestão de pessoas deveria ser a prioridade do Líder, que terá os resultados como conseqüência natural. Claro que o foco do líder não pode pular para o outro extremo e fixar-se apenas nas relações interpessoais: o clima interno vai muito bem, obrigado, mas... e os resultados?

 

Todos sabem – embora nem todos pratiquem - que a solução está no equilíbrio, na dose certa do foco da liderança  entre resultados e pessoas.

 

Ainda através daqueles mesmos jornais e revistas, fica-se sabendo que há gestores que não têm a menor preocupação com sua imagem e, portanto, muito menos terão com a imagem que deixarão de legado. São as consideradas pessoas “espertas”, aquelas que querem e sabem “levar vantagem” em tudo.

 

De certa forma, o conflito que os pais vivenciam hoje na educação dos seus filhos, têm alguma semelhança com  a preocupação que alguns líderes têm na formação e no desenvolvimento dos seus liderados.

 

Os pais se perguntam:  devo criar meu filho para ser um carreirista, um “esperto”, apto a vencer tudo e todos neste mundo canibalizado, ainda que em prejuízo dos seus sentimentos e valores – ou devo conduzi-lo pelo caminho da retidão, transformando-o num cidadão ético, honesto e sensível?

 

Por sua vez, alguns líderes se questionam: devo orientar meus liderados para que sejam ferozmente competitivos, “ganhadores”, ainda que precisem deixar de lado a lealdade, a ética e a honestidade – ou devo conduzi-los para o caminho da competência e da sabedoria, ainda que corram o risco de serem atropelados pelos “espertos”?

 

Essa é uma boa questão para a reflexão de pais e líderes, ao definirem o legado que deixarão para a posteridade.

 

De minha parte, acho que se trata de uma simples opção sobre a qualidade do sono. A pessoa que à noite, ao deitar, quer repousar a cabeça sobre seu travesseiro e desfrutar de uma tranqüila e reparadora noite de sono, não terá a menor dúvida sobre qual a única atitude recomendável a adotar para orientar  filhos ou liderados.

 

Mas há quem sofra de “insônia compensatória”. Ou seja, há quem ache que vale a pena passar noites acordado e intranqüilo, receando que sua “esperteza” seja descoberta ou superada.

 

Um legado assim, feito de espertezas e intranqüilidades, não vale um tostão furado. E tampouco deveria servir de exemplo para quem quer que seja, muito menos para quem está com sua auto-estima em dia.  Aceitar um legado desses é cometer um ato de profunda falta de respeito para consigo próprio.

 

Mas nem tudo está perdido. Felizmente, alguns modelos de gestão de pessoas que parte do mercado pratica, podem ser considerados do Bem. E desses líderes que praticam essa gestão do Bem é que saem os legados mais verdadeiros e valiosos que - estes, sim - valem a pena aceitar e seguir.

 

Tom Peters dizia que “líderes não criam seguidores. Eles criam mais líderes. Pois é justamente para isso que servem os legados.
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